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13/02/2012

Depois se vê

Hoje, com a repercussão do julgamento do Lindemberg, assassino de Eloá Pimentel, lembrei-me de um capítulo do livro que gosto muito, Feliz por nada de Martha Medeiros, onde reflete sobre a demora do pensar, da decisão, da atitude. A indecisão que nos leva ao mais trágico comodismo, gerando consequências que não esperamos mas simplesmente são o óbvio do ócil.



Chuva. Nada mais ancestral. Muita água, pouca água, não importa: choverá. Em vários períodos do ano, mais forte, mais fraco: choverá. Em São Paulo, Minas, Rio, Florianópolis. E também na Alemanha, na Nova Zelândia, no Peru.
Choveu nos anos 40, chove em 2011, choverá em 2068. Passado, presente e futuro sob uma única nuvem. Só que o país do futuro não pensa no futuro. Somos totalmente refratários à prevenção.  Tudo o que nos acontece de ruim provoca uma chiadeira, vira escândalo nacional – mas depois. Ficamos estarrecidos, mas depois. O antes é um período de tempo que não existe. Investir dinheiro para evitar o que ainda não aconteceu nos soa como panaquice.   Se está tudo bem até as 14h30min desta quarta-feira, por que acreditar que às 14h31min tudo pode mudar? E então não se investe em hospitais até que alguém morra no corredor, não se policia uma rua até que duas adolescentes sejam estupradas, não se contrata salva-vidas até que meia dúzia morra afogada.

Somos os reis em tapar buracos, os bambambãs em varrer para debaixo do tapete, os retardatários de todas as corridas rumo ao desenvolvimento. Não prevemos nada. Adoramos os astrólogos, mas odiamos pesquisa. Consideramos estupidez gastar dinheiro com tragédias que ainda estão em perspectiva. Só o erro consolidado retém nossa atenção.

A gente se entope de açúcar, não usa fio dental e depois vai tratar a cárie, se sentindo privilegiado por poder pagar um dentista. A gente aplaude a arrogância dos filhos e depois vai pagar a fiança na delegacia. A gente fuma três maços por dia e depois processa a indústria tabagista. A gente corre na estrada a 140 km/h, ultrapassa em faixa contínua e depois suborna o guarda, na melhor das hipóteses. Ou então morre, ou mata – na pior delas.

A gente vota em corrupto, depois desdenha da política em mesa de bar. A gente joga lixo no cordão da calçada, depois se surpreende em ter a rua alagada. A gente se expõe em todas as redes sociais, depois esbraveja contra os que invadiram nossa privacidade.

Precisamos de transporte público de qualidade, mas só depois de sediar a Copa do Mundo. A sociedade reclama por profissionais mais gabaritados, mas ninguém investe em professores e em universidades. E os donos de estabelecimentos comerciais só irão se dar conta de que estão perdendo dinheiro quando descobrirem os manés que contrataram para atender seus clientes. Treinamento antes, não. Se precisar mesmo, depois.

Precisamos mesmo. Só que antes.




Texto extraído do livro que adoro: Feliz Por Nada, Martha Medeiros